sábado, 1 de novembro de 2014

As aventuras de Sindbad, o Terrestre [Desafio Calendário Literário]


Quando encontrei esse livro, há quatro anos atrás, pensei: "Oi, esse titulo não está ligeiramente errado?". Mas, não, o titulo está certo. Sindbad não é nome próprio, é um apelido, significa "homem da China", e não existiu apenas um, e sim dois. Quem leu a história de "Sindbad, o Marujo ou Maritimo" lembra, ela começa quando ele encontra outro homem com o mesmo apelido e o convida para uma reunião para troca de figurinhas.

A história das aventuras dos dois "Homens da China" foram escritas em meados do fim séculos VIII e inicio do IX na região do Iraque. A edição da Martins Fontes conta com introdução e notas explicativas de René R. Khawam e este explica ter sido as histórias do Terrestre e o Marujo duas partes de um obra única escrita pelo mesmo autor. Partilho com Khawam a concepção de que toda história contada funciona é um documento através do qual podemos acessar informações e obter conhecimento sobre o passado e sinceramente não existe um caminho através do qual eu não ame o mundo Árabe de meados da Idade Média.

Enfim, voltando ao livro, nele nós conhecemos o Hasan, nome verdadeiro do personagem, ele é morador da cidade de Al-Basra. Quando o vemos pela primeira vez ele é um rapaz órfão que acabou de diluir uma fortuna significativa. Com uma forte tendencia ao drama, ele é o tipo capaz de tomar decisões tolas e escolher mal suas amizades, no entanto não é um rapaz orgulhoso ou preguiçoso, tem a seu favor uma educação esmerada, graças a sua mãe ele domina a caligrafia, o Corão, a boa linguagem e sabe pedir ajuda quando precisa dela.

Tão logo ele se vê pobre corre atrás de uma amigo ourives, este lhe ensina sua profissão. De órfão gastador Hasan de Al-Basra torna-se o ourives mais requisitado e dedicado da cidade, as pessoas param a porta de sua oficina para observar seu talento. Seu talento é, aliás, o responsável por atrair a atenção do um alquimista Persa que seduz nosso jovem trabalhador a se meter em uma empreitada complicada em busca de enriquecimento fácil. Apesar dos protestos e avisos de sua mãe sensata de Hasan é emocional demais para ceder a tentação de ir atrás do Persa.

Aliás Hasan está bem fora do modelo machista de masculinidade. Ele é emotivo, recita versos quando está feliz ou amargurado, é fiel a uma única mulher, é totalmente capaz de manter amizade e pactos de irmandade com mulheres, sabe pedir por favor, implorar, chorar.

Esqueça-se também o modelo de feminilidade, na história de Hasan as mulheres estão bem distante de donzelas em perigo, muito pelo contrario, elas são princesas guerreiras, soldados, fiscais de alfandega, generais, pessoas independentes, capazes, astutas, manipuladoras quando preciso, capazes de viver sozinhas. Elas são as principais ajudadoras do viajante.

Para se livrar da enrascada na qual se mete quando não segue o conselho de sua sábia mãe, Hasan conta com a ajuda de princesas filhas de Djins que vivem em uma ilha isolada. A mais nova das princesas se move de amor por ele e faz dele seu irmão. Sim, você leu bem, ele encontra moças virgens, solitárias em uma ilha e não as machuca, molesta ou casa com elas, ele vira irmão delas. A irmandade dele com essas moças é um pacto que jamais é quebrado em toda essa história.

É na companhia dessas moças que ele encontra com o amor de sua vida, uma princesa filha de Reis de Djins das Ilhas Waq do Waq [Arquipélago do Japão]. Para conquistar o amor de sua princesa ele conta com a ajuda de sua irmã adotiva e lança mão de artimanhas. Como tudo que vem com estratagemas, na primeira oportunidade sua princesa foge de volta a sua terra com os filhos fruto do matrimonio. A maior aventura de nosso herói consiste em trazer sua esposa e seus filhos de volta para casa.

A busca de Hasan por sua esposa é a melhor parte do livro. Ela coloca em evidencia a diversidade étnica dos territórios pelos quais os muçulmanos transitavam durante os século VIII e IX e das pessoas que se convertiam ao islamismo. Hasan encontra homens e mulheres poderosos, de várias cores e em várias situações de poder diferentes.

"As aventuras de Sindbad, o Terrestre" oferece uma visão privilegiada das fronteiras orientais do mundo Árabe, nos da a saber um pouco de como era a vida além da Europa durante o período medieval. É maravilhoso andar pelas cidades movimentadas, pelos mercados nos quais circulam várias pessoas e objetos de diversas origens diferentes. Foi revigorante encontrar com mulheres empoderas, homens sensíveis a ponto de narrar suas dores em versos de dar inveja a poeta romântico ou poderosos capazes de se sensibilizar com a boa poesia. Tais encontros me fazem crer ainda mais que relações de gênero e modelos de feminilidade e masculinidade não são naturais e sim historicamente construídos.

Ainda quero ser Sindbad, o Marítimo, mas não existe um caminho através do qual eu não ame o emotivo, leal e fiel Hasan.  O Terrestre é um aventureiro sensível e emotivo, corre atrás do amor de sua vida, sua fortuna são seus amigos, amigas, irmãs, esposa e filho, jamais esquece de voltar a casa de sua mãe e, se cruzasse meu caminho, também eu diria

"Quanto a ti, que tua alma esteja satisfeita, que teus olhos enxerguem com limpidez, que teu peito respire livremente, pois tu te tornaste nosso irmão e nós nos tornamos tuas irmãs. Está entendido, entre Deus Altissimo e nós, que doravante nenhum sofrimento poderá atingir-te sem nos atingir também!" ("As aventuras de Sindbad, o Terrestre, pg. 57).
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O "Desafio Calendário Literário" do "Aceita um Leite?"  de agosto foi ler "um clássico da Literatura Fantástica", em meio as minhas angustias existenciais eu me atrasei nas postagens. Mas, é melhor atrasar que não chegar néh gente! Em breve vou postar sobre "Fahrenheit 451" de  Ray Bradbury e "Alice no país das Maravilhas". :)

Esse post faz parte do Desafio Calendário Literário!







7 comentários:

  1. Essa história do Sinbad - que só descobri há pouco tempo que também havia um "Terrestre" - meio que me deprime. Eu fico imaginando o esmero do autor em criar sua história, em passá-la adiante, para, séculos depois, permanecer o que ele contou, mas se perder seu nome. É doído isso, mas acho que, para escritores, o que fica é passar sua mensagem, nisso, ele deve estar mais que satisfeito.

    Gosto desses clássicos, temos contato com eles tão cedo que parece algo intrínseco à nós e nossa formação, com certeza é uma leitura que quero fazer.

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  2. Pandora minha linda.... saudades!!
    Menina, quanto tempo não passeava por aqui, quanto tempo não lia seus textos maravilhosos..

    Eu acho incrível histórias antigas, muito mesmo.
    Sindbad é a cara de quando eu era pequena rsr


    Que saudade de você minha linda..
    Beijinhos

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  3. Adoro que vc relata tão bem a história e os personagens que me deu vontade de ler esse livro. Também me encantam os livros que relatam essa época. Deve ser fascinante esse livro. Adorei foi a capa. Clean, do jeito que eu gosto
    Beijos
    Adriana

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  4. Caraca esse livro tem tudo a ver comigo! Adorei tudo que vc falou, apesar dele ser dramático kkkkk. A parte da irmandade adquirida foi que me motivou mais. Eu só conhecia as aventuras do sinbad marujo e u adorava qdo pequena ver aqueles filmes dele que passavam no sbt.

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  5. Oi, Pandora!
    Eu só conhecia Sinbad, o marujo. Também adoro as histórias da época do califado. A minha avó que passou a infância ainda no oriente, adorava os contos árabes, principalmente os que fazem parte das Mil e Uma Noites e constumava fazer uma roda com os netos para contá-las. Ainda não li um livro dedicado, apenas animações, filmes, quadrinhos... Mas é engraçado era aquele mundo em que as pessoas eram livres e deixavam os sentimentos aflorarem à pele, que choravam por semanas, que sofriam até desmaiar e que achavam mesmo que podiam morrer de tanto sofrer ou amar. Possuíam crença genuína na vida, onde tudo era vivenciado. Sinbad é personagem de uma época, um viajante que se joga na vida!
    Martins Fontes... Vou atrás desse livro!
    Beijus,

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  6. ADOREI a escolha! Totalmente fora do lugar comum, fiquei surpresa e encantada! Ainda sinto que preciso explorar mais e melhor a literatura oriental, e gostaria de ver as questões árabes despidas de preconceito. É, definitivamente, um título que vou anotar para futuras leituras!

    Beijooos!

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  7. Oieee!!! Estive sumida daqui né? Daqui e de todo o resto. #Saudade.
    Puxa, eu não conhecia esse livro, na verdade nunca li nada sobre o mundo Árabe, já estive em tantos lugares através dos livros, mas nunca no oriente médio... já coloquei esse na lista.
    Beijo

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